Link da entrevista: https://www.youtube.com/watch?v=vf5IxZ3Frto
—
Boris Casoy: Professor, na semana passada o Sr. teve um, uma briga epistolar na
Folha de São Paulo, com a expressão: “Está tudo preto, negritude.”
— Boris Casoy: Como é que é isso, Prof. O que
acontece?
— Olavo de Carvalho: Ali,
acontece o seguinte. Houve uma entrevista do Ministro da Cultura, Francisco
Weffort, dizendo que o uso de expressões como “denegrir” e “a situação está
preta”, tem um fundo racista. Isto é uma bobagem fora do comum, porque essas
expressões não tem relação nenhuma com a cor da pele de quem quer seja. São expressões diretas. Dão a impressão de
claridade e trevas. Luz e trevas, que são impressões idênticas em todos os
seres humanos, tanto assim é que na própria cultura de Uruba, o simbolismo das
cores preto e branco é a mesma coisa, né? E eu duvido muito que o Chico
Buarque, no samba dele: “Meu caro amigo, a coisa aqui tá ficando preta”, ele
tivesse se referindo a algum cidadão de raça negra. Ele tá se referindo a um
simbolismo primário, que é o da escuridão do cárcere.
— Boris Casoy: Mas a expressão
“judiar” é uma expressão preconceituosa , ou não?
— Olavo de Carvalho: Não
necessariamente, porque designa-se um mal a que se faz a alguém (com essa
expressão), e este alguém pode ser o próprio Judeu.
— Boris Casoy: Mas a expressão
não diz que quem judia é um judeu?
— Olavo de Carvalho: Ao
contrário, é trata-lo como certas pessoas tratavam um judeu.
— Olavo de Carvalho: Veja, isso
faz parte da própria natureza da linguagem. Toda a ciência linguística do Séc.
(interrompido).
— Boris Casoy: Que não é essa a
interpretação que se dá hoje no Brasil, a palavra judiar foi excluída
(interrompido).
— Olavo de Carvalho: Veja, tão
forçando para dizer que isso é uma maldade feita por um judeu. Eu digo, não,
isso é feito por um judeu ou contra um judeu. Olha, toda a ciência linguística
do Séc. XX prova que as palavras não têm significado fixo, grudados nela de uma
vez para sempre, mas que depende sempre do contexto.
— Olavo de Carvalho: Qualquer
análise linguística tem que levar o contexto. Então, você não pode dizer que
tal palavra ela é, ela tem conotação racista. Por definição não existe
conotação fixa. A hora que chega um Ministro da Cultura e diz: “Isso tem uma
conotação racista”, ele tá mostrando que não conhece a língua, não conhece o
princípio elementar da linguística.
— Olavo de Carvalho: Conotação
fixa é absolutamente impossível, porque conotação é precisamente aquilo que uma palavra tem de uma variável. A
denotação pode ser fixa, não é isto? Mas a conotação, o valor associado, o
valor subentendido, não pode ser fixo em hipótese alguma, portanto, a mesma
expressão pode ser usada com sentido racista ou de não racista, até com o
sentido contrário. Isso faz parte da mecânica natural da língua. Muito me
espanta que tanta gente hoje ignora ou finge ignorar uma coisa dessa.
— Boris Casoy: Prof., o Sr.
manteve uma imensa polêmica com o Reitor da PUC do Rio, porque três jovens
escreveram um artigo num jornalzinho, um jornalzinho estudantil. O
individualista.
— Olavo de Carvalho: O indivíduo.
— Boris Casoy: O indivíduo, eee
que foram considerados racistas, e evidentemente que não eram, não o são. Pelo
menos a expressão no artigo deles não era racista, ao meu ver.
— Olavo de Carvalho: Não era,
absolutamente.
— Boris Casoy: A PUC apreendeu o
jornal.
— Olavo de Carvalho: A posição
que eles defenderam lá é exatamente a posição tradicional brasileira que nós
recebemos de Gilberto Freyre e Darcy Ribeiro, quer dizer, o Brasil não é uma
sociedade multicultural como a Americana, mas é uma sociedade mista, é uma
sociedade essencialmente mestiça, tá certo? Nós temos quase a metade da nossa
população mestiça. Ora, fica evidente que o problema da raça, aí, não se coloca
de maneira idêntica ao que se coloca numa sociedade multicultural, como a
Americana, onde há guetos separados, onde o pessoal de uma raça tem os seus
representantes políticos, não conversam com os vizinhos e assim por diante.
— Olavo de Carvalho: Ou seja, o
diálogo entre raças em uma sociedade multicultural, como a dos EUA, é um
diálogo político, feito através de seus representantes da sua elite. Agora,
aqui não! Aqui o convívio das raças é feito diretamente. Para dizer como rapaz
do “O Indivíduo”, o editor Pedro Sete Câmara, que é meu aluno, um rapaz muito inteligente,
disse: O Brasil é um único lugar do mundo onde no programa Árabe passa anúncio
do programa judeu e vice-versa.” É o único país do mundo em que o bairro Árabe,
no Rio de Janeiro, é o próprio bairro judeu, e assim por diante.
— Olavo de Carvalho: E a própria
mestiçagem, veja, se nós fôssemos realmente racistas, como é que conseguimos
produzir 50% de mestiços. Só se casaram com pessoas de outra cor por vingança
para prejudica-las (risos). Tem pessoas que as vezes que perguntam: contra quem
ele vai casar? Só se for isso (risos).
— Boris Casoy: E os nossos
grandes escritores negros, nós tínhamos conversado, Machado de Assis...
— Olavo de Carvalho: Mas é
exatamente, Machado de Assis, Cruz de Souza, Gonçalves Dias, já eram glórias no
século passado, tá certo?
— Boris Casoy: Nessa polêmica,
que eu não sei se acabou ou como acabou, o jornalzinho foi apreendido, eles
apanharam (interrompido)
— Olavo de Carvalho: Houve,
inicialmente, um ato de violência, em que se juntaram 100 militantes, eu creio
que insuflado, em parte, pela própria Reitoria, tá certo; e se não insuflou, ao
menos foi conivente, e avançaram 100 com 03, uma coisa de uma valentia
extraordinária, hein?
— Boris Casoy: O que eles
escreveram foi que haviam negros que tinham escravizado negros.
— Olavo de Carvalho: Porque isso
é um fato histórico conhecido, porque a escravidão na África, ela existiu
durante mil anos e, note bem, quando, no séc. passado (XIX), a Inglaterra
proibiu o tráfico, reprimiu o tráfico, quem se rebelou contra?, foram os
potentados africanos negros, do Sudão, que lucravam como isto e lutavam de
armas em punho contra os ingleses para manter a escravidão. Ou seja, não só a
libertação dos escravos, como a própria ideia de que as pessoas de todas as
raças devem ter os mesmos direitos, esta é uma ideia de criação da civilização
ocidental.
— Olavo de Carvalho: Agora, o que
não tem sentido é o seguinte. O movimento negro começou reivindicando que os
negros pudessem desfrutar, em paridade com os brancos, dos direitos e
benefícios criados pela civilização ocidental. Isso é coisa mais justa do mundo
e isso não se discute. Porém, a partir em que se começa a obter esses direitos,
o que eles fazem? Começam a exigir que esta civilização, que lhes deu esses
direitos, seja condenada, e que sejam exaltadas, em contrapartida, as culturas
africanas que eram escravistas, tirânicas, tá certo, e, na qual, hoje, eles não
queriam viver por nada nesse mundo. Quer dizer, quem é que vai querer trocar a
sua condição de cidadão brasileiro, americano, inglês, tá certo, para querer
ser um súdito de um potentado sudanês, que pode escravizá-lo, vende-lo, não tem
sentido.
— Boris Casoy: O Sr. acha que o
movimento negro no Brasil está copiando esse movimento negro americano?
— Olavo de Carvalho: Não
maciçamente ainda, mas já está. Já tem uma certa tendência nisso aí. Só que
para os americanos ainda se entende esta demência pelo fato de você ser
justamente uma sociedade multicultural, onde as pessoas já não se compreendem
umas às outras, mas nós, que estamos na mestiçagem há quatro séculos, não temos
o direito de sermos tão burros, nós não temos o direito de não nos compreender
mutuamente desta maneira.
— Boris Casoy: Prof. Olavo, essa
conversa leva a outro ponto, você acha a universidade é um exercício de ideias
e liberdade hoje no Brasil?
— Olavo de Carvalho: Bom, quem,
quem queira exercer a inteligência livremente não será impedido de fazê-la, apenas
não será estimulado.
— Boris Casoy: Mas não patrulhado?
— Olavo de Carvalho: Eu creio que
sim. Eu posso falar muito coisa porque eu não um membro da profissão
universitária. Sou um jornalista, tá certo?, mas eu vejo amigos meus que são
professores universitários, eles se sentem muito vigiados e patrulhados, tá
entendendo?
— Olavo de Carvalho: A toda hora
eu escuto a seguinte frase: “Se eu tivesse dito essas coisas que você diz, eu já
teria perdido o meu emprego há muito tempo.” Agora, eu, não posso perder o meu
emprego, porque eu não o tenho, não é isso?
— Boris Casoy: Quem patrulha?
— Olavo de Carvalho: Os colegas.
— Boris Casoy: Mas por quê? Baseado
no quê?
— Olavo de Carvalho: Primeiro, baseado
no corporativismo, tá certo. E na intocabilidade, vamos dizer, da elite acadêmica.
É curioso, porque a elite acadêmica mais vagabunda, mas baixa do mundo e a mais
pretenciosa.
— Boris Casoy: A brasileira?
— Olavo de Carvalho: A
brasileira, certamente, porque, você veja, se você pegar o anuário da enciclopédia
britânica, todo ano sai a lista dos prêmios científicos dado no mundo inteiro,
tá certo? Nunca vi um brasileiro nessa lista. Ou seja, a produção científica,
intelectual dessa gente é absolutamente ridícula, não tem peso no mundo, quer
dizer, não tem autoridade pra falar, não são nada. E justamente por não serem
nada, ficam se apegando a este formalismo, a esta coisa boba, tá certo, que as
pessoas verdadeiramente grandes nunca tiveram, como um Gilberto Freyre nunca
teve, um Miguel Reale nunca teve isso.
— Boris Casoy: Você acha que a
elite universitária não é muito parecida com a própria elite brasileira.
— Olavo de Carvalho: Ahh, certamente!
Certamente! É um pessoal profundamente complexado, não é isto? Que tem uma elite
complexada, que tem que se defender do intruso como se fosse uma ameaça.
— Boris Casoy: O intruso é um
estrangeiro pra elite?
— Olavo de Carvalho: Não, é qualquer
pessoa que queira opinar do que quer que seja sem pedir o aval desta classe.
Então, o Sr. não vê liberdade na universidade brasileira? De maneira efetiva,
não. O que existe é uma liberdade formal, mas a liberdade formal não basta, é
preciso também a condição real do exercício daquilo. Quer dizer, se você diz,
aqui todos tem liberdade de falar o que quiser, mas se você já tem uma pauta
pré-determinada de assuntos, tá certo. E qualquer assunto fora da pauta ninguém
presta atenção, não adianta é a mesma coisa que você não ter a liberdade de
falar.
Voltando do comercial.
— Boris Casoy: Professor, vou fazer
as perguntas dos telespectadores para as quais eu peço respostas rápidas.
— Boris Casoy: Olivier Jolis, de
São Paulo, pergunta: Se o poder dos governantes é tão grande hoje, como
explicar o caso Bill Clinton e Mônica Lewinski?
— Olavo de Carvalho: Bom, em
primeiro lugar, o poder não é de cada governante particular, mas do establishment,
do sistema do qual Bill Clinton não o é, senão um pequeno funcionário. Em segundo
lugar, casos semelhantes de governantes que foram desmoralizados e derrubados
por causa de conduta sexual irregular, isso, oh, isso aconteceu durante toda a
história, tá certo? Houve o caso, houve o famoso caso de Canossa, onde o Papa
obrigou um governante praticamente, um rei, a praticamente a ir de joelhos pedir
perdão por uma conduta irregular deste tipo. Isso aí não é nenhuma novidade. A novidade
é apenas o tramita, a coisa complexa de ficar isso aí, dois anos discutindo o
assunto, por causa da mídia. Mas isso não quer dizer que o governo americano não tenha muito mais poder do que qualquer governante
da antiguidade.
— Boris Casoy: O Sr. acha
importante que o Clinton seja uma pessoa sexualmente ilibada?
— Olavo de Carvalho:
Pessoalmente, eu acho isso absolutamente ridículo, você tá entendendo? Se fosse
aqui no Brasil todo mundo resolveria isso como uma risada.
— Boris Casoy: Um belo elogio,
talvez.
— Olavo de Carvalho: E isto, veja,
esta tolerância maior, esta é uma das características da nossa cultura da qual
nós temos que nos orgulhar. E é justamente essa tolerância maior que permite um
convívio melhor entre raças, entre pessoas diferentes. Quer dizer, nós, ao invés
de valorizarmos aquilo que é bonito, que é glorioso na nossa cultura, que é
invenção nossa, nós ficamos copiando erros de americanos, não tem sentido. Eles
não têm nada para ensinar, nem com relação a isto aí, como julgar um governante
e nem com relação ao problema de raça.
[...]
— Boris Casoy: O Bruno P. Moreira
pergunta: Professor Olavo de Carvalho, [...], acerca de artigo
recentemente publicado na Folha, contestando imaginada demonstração de
racismo contido nas expressões como, por
exemplo, “ a coisa está preta”, pergunto: por que só geralmente com a raça
negra se descobre supostas intenções preconceituosas? Até que ponto pode se afirmar
que existe preconceito e racismo no Brasil partindo da definição desses dois
vocábulos feito por Wilson Martins há algumas semanas no artigo semanal que
escreve. O Sr. despreza a filosofia marxista? Nada se salva nela?
— Olavo de Carvalho: Aí são duas
perguntas, vamos por partes. É, primeiro, o preconceito é uma coisa, o racismo
é outra. O preconceito é uma atitude interior que você pode carregar dentro
dele sem que você jamais saiba. Eu acho que o preconceito é um direito humano. Todo
mundo tem direito de ter preconceito contra o que quiser. Muitas pessoas têm
preconceito contra mim, e eu não acho que elas tão erradas não. (rs)
— Boris Casoy: Mas todas que tem
contra mim, eu acho que elas estão erradas. (rs)
— Olavo de Carvalho: Tão erradas?!
(rs)
— Boris Casoy: Eu acho. (rs)
— Olavo de Carvalho: Mas elas
tinham o direito de achar que era um preconceito seu.
— Boris Casoy: Tem o direito.
(rs)
— Olavo de Carvalho: O
preconceito é, acima de tudo, um resíduo da burrice humana. Nós não podemos
fazer uma lei que proíba a burrice humana, que proíba a covardia, a maldade
interior. Eu acho que é melhor conviver com um pouco de preconceito, do que
você fazer um super Estado, que a pretexto de proteger uns contra os outros,
oprima a todos igualmente. Este que é o grande problema. Quer dizer, eu não
acredito no Estado Mamãe, que vai proteger todos os garotinhos, amarrar a mão
de todos eles. Isto não é bom. Em segundo lugar, o Brasil não precisa disso, o
Brasil já mostrou a sua capacidade de ser uma sociedade mista onde as pessoas
convivem sem violência, sem maldade.
— Olavo de Carvalho: Quando se
alega, por exemplo, a diferença de nível econômico, entre a população de brancos
e pretos, e se mostra isso como um sinal de discriminação, isso só mostra o desconhecimento
da história, e por quê? Entre a abolição dos escravos e o primeiro surto de
industrialização passaram-se 40 anos. E durante esses 40 anos a população negra
deste país, liberta, foi se multiplicando, e não havia emprego para eles. Não
foi ninguém que decidiu jogá-los fora, simplesmente não havia onde coloca-los. Isto
nunca foi resultado de uma perseguição intencional, porque se houvesse
realmente ódio racial no Brasil, não haveria o nível de miscigenação que existe.